Acarajé, feijoada, churrasquinho, centenas de pessoas com a camiseta verde amarelo. No palco, a axé music é a grande estrela da festa, cabrochas, inglês e português misturados são os idiomas na beira do Charles River, em Brighton: é o 16 Festival da independência organizado pela comunidade brasileira em Boston, cidade com o maior numero de imigrantes na América, algo em torno de 400 mil pelos dados oficiais do Ministério das Relações Exteriores, mas muito maior se levarmos em conta o numero de imigrantes ilegais não contabilizados.
A comunidade brasileira é querida pelos americanos e muito organizada. Os brasileiros são donos de rádios, padaria, bares, mercados, empresas. Também trazem uma espécie de alegria que falta em todo o mundo organizado e ultra desenvolvido dos Estados Unidos. Tudo aqui é familiar para nossos olhos, também por conta da imigração portuguesa no inicio do século passado. Hospitais, bibliotecas, centros comunitários, em algumas áreas, como hospitais, informações bilingues.
Os Estados Unidos aprenderam a conviver com a imigração nos últimos 150 anos. Mais que isso, hoje os imigrantes são mão de obra importante no mercado americano e também tornam esta sociedade cada vez mais multi cultural, como é o caso de Nova York, uma cidade internacional com 50% da população pertencente a mais de 180 diferentes paises.
Brasileiro aqui em Boston faz de tudo, limpa casa, escritório, trabalha em restaurante, cuida de criança. A limpeza é mais leve que a brasileira, o patrão bem menos exigente, pois os americanos não são muito chegados em limpeza. Serviços que são dignos e bem pagos por quem pode ter o luxo de contrata-los. A maioria dos brasileiros esta aqui há mais de 10 anos, alguns 20. Uns conseguiram seu papel (cidadania) casando com americano ou com outro brasileiro que tinha papel, outros vivem clandestinamente, mas nem por isso deixam de ter seus direitos. A policia pode até te parar na rua, o que é raríssimo, tanto que muitos dirigem sem carteira, mas não vai se meter na questão imigratória que diz respeito a outro departamento. Aqui é cada qual no seu cada qual.
Os brasileiros se misturam muito pouco com os americanos. Vivem num mundo a parte, mantem hábitos nacionais, em bairros (que na verdade são cidades com administração própria), a exemplo de Somerville, que acabam ganhando uma identidade.
Um amigo me diz que 80% dos que estão aqui são evangélicos. Se adaptam bem a velha combinação capitalismo/protestantismo. Trabalham cerca de 20 horas por dia, de segunda a segunda. Alguns ficam mais americanos tradicionais e conservadores do que os nativos. É de casa para o trabalho, do trabalho para a igreja. Estou ha 10 dias em Boston, aproveitando cursos, os parques, desfrutando do ambiente de conhecimento da cidade, sede da Harvard e do MIT, e já conheço a cidade mais que alguns deles.
No olhar desses brasileiros, muitos não podem sair do pais pois estão ilegais e isso significaria não voltar mais, vejo um ar desilusão. É como se estivessem perdidos no limbo, estrangeiros, exilados aqui; e talvez se voltarem ao Brasil, onde tudo é muito diferente, passariam a sentir o mesmo. Muitas vezes me parece um caminho sem volta.
Lamento que nosso pais não de condições para as pessoas viverem, tanto as que estão aqui como para milhares que continuam la, enfrentando dificuldades. Todos sabem que num pais elitista e escravocrata como o nosso, nem mesmo quem tem diploma universitário pode conseguir o nível de vida que se tem aqui. A grande duvida pra quem pensa em voltar: oportunidades nas terras brasileiras, mantendo um padrão minimo de vida.
Nos EUA, apenas com o segundo grau ou nem isso, eles tem a chance de ter sua tv de plasma, seu celular, carro, uma moradia digna, comem do bom e do melhor, pois tudo é infinitamente mais barato. Alguns ganham 10 mil dólares por mês. Vivem ‘ bisados’, aportuguesamento de ‘busy’, ocupado, em inglês. Trabalho não falta. É dinheiro vivo na hora. Em uma semana se compra um carro, roupas, computadores. Como disse Contardo Calligaris em artigo recente na Folha comentando os saques em Londres, o consumismo passou a ter a legitimidade de coisas essenciais na vida. São marcas de identidade, de independência, de conforto. Quem não gosta de viajar? De ter suas coisas? De poder comprar, se alimentar decentemente, de navegar na internet?
Entendo agora quando se diz que a América é a terra das oportunidades e os brasileiros ‘cucarachas’, parodiando Henfil, que não tem medo de trabalho e nem preguiça, nadam de braçadas. Estigma de preguica aqui é com a comunidade espano-latina.
Os tempos não são dos melhores com a crise, muita gente voltando, muita gente que não ganha mais como antes. Alguns ganham para sobreviver. Os brasileiros aqui se organizam, se unem em associações que lutam pelo direito do imigrante, a comunidade é atuante. Tenho vontade de lançar um movimento de repatriamento dessas pessoas, o Ministério inclusive tem uma cartilha chamada Guia de Retorno ao Brasil, porque não é uma decisão fácil e pode vir acompanhada de traumas, pois eles construíram uma vida inteira aqui.
Penso que nossos brasileiros americanos podem ser muito úteis para o nosso pais, com sua força de trabalho, sua experiência em uma sociedade livre, seu senso de justiça, indignação, democracia e vigilância que desenvolveram por essas bandas.
Me chocam os relatos e as experiências e espero ter tempo para escrever algumas coisas aqui; estou também tentando entrevistas. A maioria dos brasileiros vem de Minas e muitos atravessaram a fronteira do México, sem nada. Uns foram presos, depois libertos, alguns conseguiram o perdão, outros foram soltos e continuam ilegais, outros deportados. Gente que largou a família aos 16 anos, pessoas que se juntaram aos pais que já viviam na ilegalidade por aqui, gente que casou e 6 meses depois veio para cá sozinho. Historias de separações, de sofrimento, de vitoria, de fé, todas em busca do chamado ‘sonho americano’, ideal que alimenta a movimentação de pessoas em todo mundo desde o século XX, principalmente no pos-guerra.
Massachusetts, uma das 13 colonias rebeldes, mantém uma certa tradição libertaria e não adotou a lei federal de imigração que pode perseguir os imigrantes em seus trabalhos ou quando aparecem no hospital e deporta-los. Mas isso as vezes acontece por aqui, me explicam. Cada caso é um caso, são mil fatores. A imigração sabe onde cada um deles esta, mas esta sempre tudo bem. O direito ao trabalho é um principio forte nos EUA, para todos, sem distinção.
Esta noite, milhares de brasileiros vão dormir quatro ou cinco horas para pegar no batente amanha, em dois, as vezes, quatro postos trabalhos. Enviam dinheiro para suas famílias, guardam na poupança sonhando com o dia da volta, para um lugar que talvez só exista em seus imaginários. E para os que estão no Brasil e ainda acreditam nele, como eu, é tempo de sonhar com um pais sem corrupção, com um Estado de Direito real. Torço para que esse dia chegue logo e que nossos irmãos possam voltar em paz para o nosso gigante multicolorido e juntos, quem sabe, não construiremos de fato um pais justo, dividindo o bolo que vemos crescer diariamente.
A esperança é a ultima que nasce. Tudo a fazer.
Troi, muito legal esse texto e seu blog em geral. Sabia que a maior comunidade brasileira nos EUA era em Boston, mas não tinha idéia da dimensão. Estou aqui em Washington D.C, vou ficar um ano. Caso passe por aqui me avise para nos encontramos. Foi Falani quem me contou que você estava por aqui. Abraços!
Q bacana, cara! Estou querendo dar um pulo em Washington, mas agora estou estudando inglês e participando de um grupo de teatro…vamos ver…Boa sorte pra você ai. Abs.
falou e disse