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Posts Tagged ‘família’

Adeus, pai!

Nos anos 80, no melhor estilo Sargento Garcia com o bigodão.

Nos anos 80, no melhor estilo Sargento Garcia com o bigodão.

O acordeon era o instrumento predileto. Músico nato, também era apaixonado pela sétima arte.

O acordeon era o instrumento predileto. Músico nato, também era apaixonado pela sétima arte.

Uma lembrança aos dois anos: meu pai matando um gato para fazer um pandeiro e depois servindo o bichano de bandeja para os amigos dizendo que era um coelho.

Uma lembrança aos dois anos: meu pai matando um gato para fazer um pandeiro e depois servindo o bichano de bandeja para os amigos dizendo que era um coelho.

Nos anos 60, na equipe de segurança da primeira dama do estado

Nos anos 60, na equipe de segurança da primeira dama do estado. Na foto: churrasquinho no Palácio dos Bandeirantes.

Férias sempre no interior de São Paulo. Na imagem com minha mãe e minha irmã no Salto de Avanhandava, local desapareceu depois da construção das hidrelétricas.

Férias sempre no interior de São Paulo. Na imagem com minha mãe e minha irmã no Salto de Avanhandava, local desapareceu depois da construção das hidrelétricas.

O meu pai era o cara. Cheio de contradições, como são os grandes personagens. Para mim ele era a mistura de Luis Buñel com Piazzolla. Depois do seu funeral, tive a impressão que estava mais para Quincas Berro D´Água. Meu pai era um homem festivo, um homem da rua e de muitos amigos. Impressionava sua maestria em conduzir uma porção de loucos de bar em bar. No velório, pude reviver histórias incríveis, inacreditáveis.

Meu pai são tantos que não caberia em um post. Passei a vida tentando não ser como ele. Retrógrado, reacionário, ignorante, machista, fruto do ambiente militar brasileiro. Tinha discurso homofóbico e racista, mas eu mentiria se dissesse que alguma vez me senti discriminado. Tão pouco me lembro de ter visto meu pai discriminar alguém. Palavras apenas.

Raras vezes concordávamos sobre política. O fato de ser militar nos colocava muitas vezes em campos opostos. Ao mesmo tempo admirava sua insubordinação diante da hierarquia, o que lhe causou algumas prisões, e também a admiração de muitos. Meu pai não levava desaforo pra casa. E posso afirmar com absoluta certeza: nunca foi corrupto como muitos o são. Trabalhou incansavelmente para nos dar educação e um lar. Nos defendia com unhas e dentes. Seu amor era incondicional. Nunca me senti desprotegido com meu pai ao lado.

Era um mestre na cozinha. Deixou muitos cadernos de receitas, escritos manualmente ao longo dos seus 64 anos, porque, nos últimos três, cada vez ficou mais difícil escrever. Adorava quando ele ia para cozinha e fazia uma verdadeira orgya com os alimentos. Gostava de simular, por exemplo, o sexo entre os vegetais ou fazer comentários a cerca do tamanho dos pepinos ou de tudo que fosse fálico ou sugestivo. Minha primeira lembrança de meu pai é na cozinha: morávamos na Zona Norte de São Paulo, no Jaçanã, e ele matou uma galinha para fazer ao molho pardo. Lembro que a cozinha branca ficou suja de sangue por todos os lados.

Lembrança aos 15 anos: meu pai casando na igreja com minha mãe, depois de terem se casado no civil nos anos 70. Eles se conheceram na infância. Foram 43 anos de casamento. Não sou defensor do casamento e nem da monogamia, mas ela honrou aquilo que milhares prometem no altar, mas nem sempre cumprem: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Fez tudo pelo meu pai até o último dia de vida dele. Isso lhe confere um força e uma dignidade admirável. 

Cinéfilo, meu pai assistiu a todos os clássicos americanos e italianos. Escolheu meu nome por conta de Marcello Mastroianni e em 1975 me registrou sem sequer comunicar a minha mãe.

Fizemos música e cozinhamos muitas vezes. A música, a culinária e o cinema eram capazes de apagar nossas diferenças. O gosto pela escrita também veio dele. Uma das imagens mais forte que tenho é de meu pai escrevendo em seus caderninhos. Foram muitos.

Duas falas que se repetiam todas as vezes que me encontrava: está precisando de alguma coisa? Ou: o seu quarto está aqui esperando sempre por você. Cheio de medos e superstições, enquanto pode, evitou que eu saísse de casa, talvez porque já soubesse intuitivamente que meu destino era o mundo.

Polenteiro, italianinho, nasceu branco e doente. Saúde sempre frágil. Infância conturbada. Até os últimos dias foi incapaz de esquecer tantas coisas ruins que lhe aconteceram. Certa vez, ouvi dizer que o ser humano é uma coleção de traumas. Essa máxima caberia perfeitamente ao meu pai.

No último dia 29, um mês depois de perder minha avó, acordei em São Paulo com um sonho. Nele, meu pai era jovem, bonito e tinha um brilho, uma luz. Eu, surpreso, perguntava: mas o senhor estava internado…o senhor está melhor? Ele sorria pra mim e respondia: sim, eu melhorei, filho. Estou curado. No início da noite do mesmo dia eu receberia a notícia da passagem dele depois de 28 dias na UTI.

Há muitos anos não havia mais tempo para discussão. Cada encontro era uma despedida. Meu pai era uma criança e digo com o coração leve e o espírito tranquilo: nos perdoamos mutuamente por nossas falhas. Ficarão as boas e divertidas recordações. São tantas, incontáveis…Eu sempre soube que tudo seria saudade.

Vamos sentir sua falta, pai. O senhor agora é como Macunaíma: aquela estrela brilhante na constelação de Ursa Maior.

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Minha avó com seu último companheiro, Anito Gastão.

Quantas vezes não escutei ela gritar esta frase nos momentos de alegria. Uma imagem na mente: ela dançando.

Minha avó foi para a ethernidade na noite do dia 31/10. Seus últimos dias foram de muita dor, pouco aliviada com doses de morfina.

Nascida em 1927, era o que o clichê chama de “mulher de fibra”. Tapuia guarani de Piratininga, viveu a frente do seu tempo, sem medo do trabalho e de enfrentar a vida. Quatro filhos, três casamentos. Mudanças permanentes que lhe fortaleceram e deram coragem. Lutou para manter a unidade da família.

Tenho um milhão de histórias para contar sobre minha avó, algumas impublicáveis. Direta, fazia questão de dizer o que pensava, doesse a quem doesse. Exceto a admiração que ela tinha pelos militares e a abominação pelos civis, o que acabou convertendo quase toda a família à carreira, sendo eu uma das exceções, cresci admirando essa mulher.

Adorava perfumes. A cada nova viagem, minha missão era trazer um novo frasco. Sua casa sempre povoada de artistas, músicos, circenses. Não dispensava uma moda de viola e graças também a ela, crescemos próximos à arte musical. Seus cantores preferidos eram Noite Ilustrada, Cauby, Jamelão e Tião Carreiro.

Sua partida me deixou desolado. Não mais porque tive oportunidade de me despedir. Nos últimos meses, cada encontro era uma forma de despedida. Foi assim que gravei uma de nossas últimas conversas onde ela conta como conheceu meu avô boêmio, filho de um italiano abastado e de como passou boa parte da vida sobrevivendo e buscando o sustento dos filhos. Escutando minha avó relatar tantos momentos difíceis, uma música de Tim Maia me veio a mente.

O ano de 2013 ficará marcado pela perda de pessoas incríveis. Imagino que daqui pra frente será frequente: sinal de que estou envelhecendo. E a cada perda , nós vamos nos preparando para nossa própria viagem rumo ao desconhecido.

Dois aprendizados: 1- enquanto há vida, há esperança. 2-devemos fazer tudo pelas pessoas que amamos enquanto elas estão vivas.

No momento que escrevo este post, meu pai se recupera mais uma vez em uma UTI. Ninguém, com absoluta certeza, quer partir. Para viver é necessário lutar. Sempre. Acaba não, mundão!

Ouça entrevista:

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